Uma homenagem ao meu avô Anselmo

A viagem para o Brasil

04/05/2011 00:00

Na Itália, milhares de famílias venderam ou abandonaram suas casas, e carregando apenas seus pertences em sacos e caixas improvisadas (a maioria nem tinham malas), embarcavam nos trens, carroças e até mesmo a pé, se deslocando até os portos para embarque: Nápoles ou Gênova.

Eram embarcados na terceira classe, geralmente localizada nos porões dos navios, e com lotação acima da capacidade. No final do século XIX as viagens já eram feitas em vapores, porém com péssimas instalações, pois geralmente eram navios de carga adaptados para o transporte de passageiros.

A travessia do Atlântico era realizada em 20 a 30 dias.

Uma descrição minuciosa e bastante precisa de uma viagem eu encontrei em um relato da Família Pozzobon, que também é da região de Vêneto e descreve o mesmo percurso que fez a Família Favarato. Por isso, destaco trechos do texto extraído do livro "Uma odisséia na América", de Zolá Franco Pozzobon, publicado pela Editora da Universidade de Caxias dos Sul, 1997:

 ...Chegou o momento de vender os poucos pertences que a família Pozzobon possuía debaixo do sol. Para encurtar a história, direi que tudo foi torrado por preço verdadeiramente irrisório, lançando fora o que juntáramos com tanto sacrifício, ficamos aguardando das autoridades o aviso de partida para a América...

...Alguns parentes mais chegados desaconselhavam a partida. Eram inúteis, porém, os conselhos e lágrimas dos que faziam de tudo para que lá permanecessem. Obstinados em sua determinação, não faziam caso de quem se preocupasse pelo seu bem. Que tristeza ver aquela mísera gente em tais momentos de angústia! Um vaivém de parentes e amigos em contínuas visitas a eles.

...Na manhã que precedia a partida, cantava-se missa na igreja paroquial, pedindo que os emigrantes fizessem feliz viagem. Os que emigram simulam uma aparência de contentamento, mas seu coração se corrói de grande e inenarrável desgosto. Simula-se denotar um pouco de alegria de uma a outra parte, canta-se alguma canção de adeus à Pátria, mas o coração chora sem parar.

Ao amanhecer, deve-se partir. Subitamente cessam os cantos de alegria, e soluços, lágrimas, desmaios, tomam o seu lugar. Por que isso acontece? Todos podem imaginar. Abandonar a Pátria não é coisa que se faça com hilariedade. Naquele momento, os moços e moças sofrem de indizível tristeza. Partem para outras terras; deixam na terra natal o ídolo de seu pensamento, sem qualquer esperança de revê-lo.

...Soa o apito ensurdecedor da locomotiva, é preciso partir.

Viajaram de trem, passando por Castelfranco, fazendo uma parada em Vicenza e dali o trem partiu para Verona, onde chegou meia-noite, atingindo Bréscia ao amanhecer. 

Os trens, naquele tempo, também na Itália corriam a passo de lesma e precisavam de quase um dia para chegar a Gênova, porto de embarque.

...Às cinco da tarde o trem entrou em Milão. Pernoitaram ali, sem dinheiro para pagar hotéis, pagaram algumas liras somente pelo teto. Ali, a maioria das crianças quer voltar para casa, encontrar a vovó e tomar mamadeira. Que dor para as pobres mães! E trata-se apenas da primeira noite fora de casa. O que será no futuro?

Finalmente, chega o momento de deixar Milão a caminho de Gênova. Aí chegando, vê-se que não faltam na estação agentes de hotel, tratorias, albergues e não sei eu o que mais! O camponês das províncias vênetas cai das nuvens com tanto tumulto. Ele tinha visto, até então, a torre do campanário de sua paróquia ou meia dúzia de povoados vizinhos e nada mais! Gênova, a soberba, assim chamada por suas riquezas e pelo temperamento de seus habitantes, não é lugar adequado ao emigrante campesino do Vêneto. Ele, acostumado ao silêncio e tranquilidade da campanha, não consegue habituar-se ao estrépito contínuo e endemoniado de uma cidade como aquela, onde todos correm abaladamente.

...Eis que passam dias em Gênova os pobres emigrantes que pretendem mudar de país.

 

Pintura que retrata os imigrantes a espera do embarque no Porto de Genova

Finalmente, chega o aviso de embarcar...

As bagagens já foram carregadas. Uma hora antes de levantar âncora, um apito ensurdecedor dá o sinal de partida, avisando os retardatários a que se apressem para embarcar. A escada é baixada, ainda que todos aguardem com ânsia acabar de uma vez com tão enfadonha espera, ninguém quer ser o primeiro a entrar, como se o vapor fosse uma jaula de ursos. Finalmente, vai e não vai, entram a muito custo e com extraordinária má vontade. Se pudessem retornar a sua casa teria sido muito diferente. Mas a sorte já está lançada, é preciso acomodar-se.

Finalmente, apinhados como anchovas em barril, acomodam-se em beliches que lhes são assinalados, em lugar úmido, escuro, com cheiro tão nauseabundo que provoca nojo e horror. Coisa incrível se não fosse verdade. Uma viagem dessas, para as crianças e os idosos, era muito prejudicial. Aquele que ler estas páginas talvez considere pessimismo excessivo, mas, posso garantir, é a pura verdade. 

O último apito dá o sinal de partida. As laterais do vapor agitam-se. São levantadas as âncoras e a hélice inicia seu tac-tac, movimentando a grande mola. Ao afastar-se do cais, observa-se uma demonstração popular dos que ficam, augurando boa viagem, os lenços brancos se agitando como pássaros batendo asas. O vapor passa diante do farol, de onde são emitidos os sinais pertinentes.

Pouco depois de levantadas as âncoras e, talvez, a uma dezena de quilômetros, começou o mal do mar para as pessoas mais fracas, com vômitos e vertigens. Maridos semi-desesperados acudiam as mulheres e seus filhotinhos. Não se recebia conforto de ninguém, pelo contrário, os marinheiros, em vez de mostrarem compaixão, riam às gargalhadas e, contudo, eram europeus como eles.

Os passageiros engoliam os maus tratos e calavam. O alimento insuficiente e mal conservado era mais do que repugnante: aquele pó de café abominável, a água turva. A carne (à época, não existiam frigoríficos) em grande parte deteriorada e fedorenta. A água intragável era conservada num caixão de chumbo, de modo que estava impregnada com aquele metal e não a tomava a copos, mas com canudinhos de chumbo. Coisa nauseabunda! 

O que teria acontecido naqueles navios, quando existia o tráfico de negros, amontoados, acorrentados, sem poderem se mover no porão do barco, com pouco alimento e sem qualquer socorro? Nem é bom lembrar de coisas semelhantes!

Quando o vapor entra no Oceano Atlântico, o olhar volta-se para o nordeste, onde está a terra natal: Adeus Itália e para sempre!  ... e “Viva a América” que não se conhece e não se sabe onde seja.

A viagem da Família Pozzebon não foi diferente da Família Favarato. O trajeto de trem da região do Vêneto até o porto de Gênova provavelmente foi o mesmo, assim também a situação do navio, que no caso do Favarato foi o navio Birmânia, trazendo 1429 imigrantes até o Espírito Santo.